Conheci o trabalho da Mariana no começo dos anos 2000 em exposições como a Bienal de Santos e o Salão de Arte de Ribeirão Preto. Eram pinturas enigmáticas que mesclavam paisagens, fragmentos da figura humana e camadas e camadas de tecidos de todos os tipos. As telas eram algo assim como uma combinação da padronagem matisseana com a tradição do grotesco e do informe.
Anos depois desse primeiro embate vim a conhecer a produção em aquarela da artista, coincidentemente em uma outra edição do Salão de Arte de Ribeirão Preto, em 2004. Os trabalhos me pareceram uma depuração da linguagem que Mariana vinha desenvolvendo na pintura: ali estavam os híbridos de pele, tecido e figuras orgânicas, desta vez animais (ossos, pêlos, chifres, teias), tudo alinhavado por um cuidadoso requinte decorativo, na melhor acepção do termo.
No desenho, o discurso da artista tornou-se mais vigoroso e também mais cristalino. Ali, a gente percebia a que ela veio. E a seqüência da história não poderia ser mais coerente: Mariana Palma entrou para o time da prestigiada galeria Casa Triângulo, onde realizou exposição individual em 2005, foi selecionada para o Rumos Itaú Cultural de Artes Visuais em 2006 e vem sendo considerada no circuito de arte contemporânea uma das maiores promessas da geração 2000.
A coisa ficou mais instigante quando reencontrei a Mariana pintora em exposições como a Paralela 2006 e a própria individual na Casa Triângulo. O que aconteceu com a pintura dessa artista?, me perguntei algo assombrada. O que havia nas telas de anos atrás em potência, depois da maturação da poética no processo de criação de vastas séries de aquarelas, transformou-se em uma das linguagens pictóricas mais poderosas da arte brasileira atual.
As superfícies sedutoras que retratam um amálgama de casacos de pele, padrões têxteis, ornamentos e ruídos de humanidade (marcas, vincos, vestígios de presença, evidências da ausência) fascinam ao mesmo tempo em que repelem. Não há mais espaço para fragmentos de paisagem onde o olhar possa descansar: a pintura é asfixiante, tomada inteiramente pelas texturas representadas com virtuosismo, como se a artista tivesse feito um zoom nas telas iniciais e escolhido apenas o amontoado informe de roupas e corpos.
Nos desenhos, vemos essa lógica invertida. Em vez de a superfície do papel estar preenchida por completo, há mais brancos e vazios do que formas desenhadas. No lugar da asfixia, há morbidez: somos atraídos para ver de perto a imagem delicada e, uma vez ali, cara a cara com o avesso de todas as coisas, fisgados pelo “real” (aquele entendido como “retorno do reprimido”, segundo Lacan e também Hal Foster, na esteira dele), vislumbramos uma fissura de vida. Eu, pelo menos, sim.