Objeto de meu mais desesperado desejo, faz de mim um instrumento de teu prazer, sim, saiba que toda época de renovação acelerada dos meios de reprodução gráfica estimula o olho armado de tesoura e estilete. É um campo em flor quando a sombra se esvai, é arena de estímulos apalpados, engolidos, cortados, de onde liberto-me ficando teu escravo.
Cavo a direita claridade do céu e agarro o sol com a mão. Ofuscado por imagens e texturas novas, disponho-me a habitar o corpo que de tuas saias sai, fecundá-lo com algo de minha seiva. Então deixa, deixa que a minha mão errante adentre atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Olhar-mão-colagem-pintura que quer a presença erótica do segredo coberto de tanto brilho constelado. Lambe olhos, torce cabelos, para quê tanto corpo! Pois se há corpo, que o morto ganhe do falso alguma sobrevida embebida no leite.
Que o fálico brote do cálice, ou a vulva da dobra do caule.
Escorro cores moventes na água; onde cai minha mão, meu selo gravo. Deixo que o pingo amarelo se confunda com a pétala da flor em cacho. Em grinalda cachoeira. Planto diademas e espero o instante em que o todo seja muito mais que as partes. É meio dia, é meia noite, é toda hora.
Desperdício, prazer da abundância e exagero do desejo - muito, muito além (e aquém) da elegância discreta.
Acumulo tessituras de mantos mil vezes dobrados sobre si mesmos Quero fazê-los extasiados. Quero que sejam corpo no lugar do corpo que não tenho.
Eu visto, mas ficaria contente se me desses, por instantes apenas e bastantes, a nudez longínqua e de pérola - nudez total!
Todo o prazer provém de um corpo (como a alma sem corpo) sem vestes. A minúcia da pintura seduz e cega como o brilho do sol que tenho na mão. Esqueça a fatura e procure a volúpia. Faça qualquer coisa, mas, pelo amor de deus (ou de nós dois): SEJA.
A exposição Mariana Palma: Soma é a primeira exposição individual da artista após um intervalo de 5 anos. A mostra traz pinturas, fotografias e aquarelas recentes da artista e é acompanhada por um texto de Paulo Miyada.
As pinturas intensificam a procura da artista por um espaço pictórico singular, que é simultaneamente superfície aquosa de texturas e imbricação de figuras e objetos incompletos. Isso decorre do próprio processo de pintura: a artista as inicia com um mergulho da tela em água coberta por pigmentos, em um processo similar à marmorização de papel. Com isso, ela produz padrões intrincados de cores, linhas e pontos, sobre os quais pinta laboriosamente partes de tecidos estampados, elementos arquitetônicos e plantas imbrincados entre si. Assim, com intensa cor e altíssima quantidade de estímulos visuais, as pinturas procuram seduzir o olho e estabelecer com o espectador uma relação de fascínio, repúdio, identificação e estranhamento. Em suma, são imagens abundantes e com muitos focos compositivos, que podem ser lidas em partes ou como conjunto, acelerada ou detidamente.
As fotografias e aquarelas, por sua vez, são produzidas de modos mais detido, concentrado em problemas visuais e simbólicos específicos. As fotografias retratam montagens que a artista faz com plantas em estágios variados de apodrecimento e plantas artificiais de plástico. Criam-se híbridos, muitas vezes em evocações de alguma espécie de cópula. Fotografadas frente a um fundo infinito negro ou mergulhadas na alvura do leite, essas montagens flutuam como em imagens botânicas. O mesmo acontece nas aquarelas, porém com maior liberdade imaginativa e com a delicadeza do traço da artista.
Em conjunto, esses trabalhos traçam um panorama acerca do desejo em múltiplas acepções: sexual, escópico, voyeurístico, acumulador, romanesco, fabular. Esse é um motor constante na trajetória da artista, que agora assume maior intensidade. O texto poético proposto por Paulo Miyada tenta, justamente, aproximar-se dessa miríade de desejos ao combinar, por colagem, trechos dos poemas Elegia: Indo para o leito (John Donne, tradução de Augusto de Campos), Poema do amor sem exagero (Joaquim Cardozo), Objeto (Paulo Leminski) e Mel (Waly Salomão). Trata-se de um escopo inusual no campo da arte contemporânea, que talvez demande outras maneiras de olhar, que não se restrinjam a aspectos formais e, tampouco, circunscrevam interpretações eminentemente discursivas.
Whirlpool
Object of my most desperate desire, make me into an instrument of your pleasure, yes, know that every era of swift renewal of the means of graphic reproduction stimulates the eye armed with a scissors and razor knife. As when from flowery meads the hill’s shadow steals, it is an arena of touched, swallowed and cut stimuli, where to enter in these bonds is to be free.
I delve into the direct clearness of the sky and clutch the sun in my hand. Dimmed by new textures and images, I yearn to inhabit the body that flows from your skirts, fertilizing it with something of my own sap. So licence my roving hands, and let them go, before, behind, between, above, below.
The-look-the-hand-collage-painting that wants the erotic presence of the secret covered by spangled shine. Licking eyes, twisting hair, so much body for what! Because if there is a body, the deceased falsely gains some afterlife soaked in milk. The phallic sprouts from the chalice, or the vulva from the fold of the stem.
I drip moving colors into the water; then where my hand is set, my seal shall be. I let the yellow drops blend with the petal of the flower in the bunch. In a garland waterfall. I plant diadems and wait for the moment when the whole is much more than the parts. It is noon, it is midnight, it is every hour of the day. The waste, the pleasure of abundance and the exaggeration of desire – way, way beyond (and less than) discrete elegance.
I gather textures of robes folded one thousand times over themselves. I want to put them into ecstasy. I want them to be a body in place of the body that I don’t have.
I wear them, but I would be happy if you give me, for just a few ample moments the faraway and pearl-like nudity – full nakedness!
All joys are due to a body; as souls unbodied, bodies unclothed must be.
The painstaking details of the painting are seductive and blinding like the sunshine that I have in my hand. Forget the making and seek sensuousness. Do anything, but for the love of God (or of the two of us): BE.
The exhibition Mariana Palma: Soma is the first solo show by the artist after an interim of five years. The show features recent paintings, photographs and watercolors by the artist and is accompanied by a text by Paulo Miyada.
The paintings intensify the artist’s search for a singular pictorial space, which is simultaneously a watery surface of textures and an overlapping of incomplete objects and figures. This flows from the painting process: the painter begins them by dipping the canvas into water covered by pigments, in a process similar to the marbling of paper. She thus produces intricate patterns of colors, lines and points, on which she painstakingly paints parts of fabric patterns, architectural elements and plants combined with one another. Thus, with intense color and a great amount of visual stimuli, the paintings seek to seduce the eye and engage the viewer in a relationship of fascination, repudiation, identification and estrangement. In short, they are abundant images with many compositional foci, which can be read in parts or as a whole, quickly or slowly.
For their part, the photographs and watercolors are produced more slowly, concentrated on specific symbolic and visual problems. The photographs portray montages that the artist makes with plants in various stages of decay, and with artificial plastic plants. She creates hybrids, which often evoke some sort of coupling. Photographed in front of an infinite black background or dipped into the whiteness of milk, these montages float like botanical images. The same thing takes place in the watercolors, though with greater imaginative freedom and with the delicateness of the artist’s lines.
All together, these works create an overview of desire in multiple senses: sexual, gazative, voyeuristic, accumulational, Romanesque, fabulous. This has been a constant driver in the artist’s career, which is now taking on greater intensity. The poetic text proposed by Paulo Miyada seeks to approach this myriad of desires by combining, through collage, passages from the poems “To His Mistress Going to Bed” (John Donne), “Poema do amor sem exagero” (Joaquim Cardozo), “Objeto” (Paulo Leminski) and “Mel” (Waly Salomão). This is an unusual scope in the field of contemporary art, which perhaps demands other ways of looking that are not restricted to the formal aspects, nor limited to eminently discursive interpretations.